18/09/2025, 01:53
Autor: Laura Mendes
O debate sobre a terminologia utilizada para se referir às pessoas em situação de vulnerabilidade habitacional está em ascensão, particularmente na escolha entre os termos “sem-teto” e “sem moradia”. Essa mudança linguística parece refletir uma evolução nas percepções sociais sobre a falta de abrigo, com implicações que vão além da mera preferência terminológica. Em essência, trata-se de como a sociedade enxerga as causas e as consequências da crise habitacional.
A escolha de palavras é uma ferramenta poderosa que pode moldar a forma como as pessoas compreendem uma questão social. Ao usar “sem moradia”, há uma ênfase na responsabilidade sistêmica, sugerindo que fatores externos — como políticas de habitação e condições econômicas — são os principais responsáveis pela situação. Por outro lado, o termo “sem-teto” pode transmitir uma conotação mais individualista, sugerindo que a falta de moradia é uma falha pessoal. Essa distinção não é meramente semântica, mas, sim, um reflexo das crenças subjacentes sobre a natureza da pobreza e da dignidade humana.
O uso de “sem moradia” tem ganhado popularidade em certas esferas, principalmente entre ativistas e defensores dos direitos humanos, que argumentam que essa terminologia é menos estigmatizante e mais representativa da condição das pessoas afetadas. Para muitos, a mudança de linguagem serve como um passo em direção à desestigmatização, assim como a necessidade de abordar o problema com maior empatia. No entanto, essa mudança também não é isenta de críticas. Há aqueles que argumentam que a terminologia nova pode desviar a atenção das soluções práticas aos problemas enfrentados e pode, de fato, ser vista como uma forma de "virtue signaling", onde a linguagem em si se torna um substituto para a ação concreta.
Um dos comentários que circulou recentemente aponta que utilizar o termo “sem moradia” implica que a situação é uma consequência de falhas de sistemas, e não uma escolha, pois essa abordagem abrange uma narrativa mais ampla sobre as injustiças sociais. Para alguns, a discussão em torno dos termos é um sintoma de uma cultura que está se distanciando das questões fundamentais, optando por alterar palavras ao invés de abordar as desigualdades estruturais que perpetuam a falta de abrigo.
A questão da linguagem também é vista em um contexto histórico. O fenômeno conhecido como “esteira de eufemismos” revela que, conforme uma palavra se torna carregada de estigma, novas terminologias surgem na tentativa de contornar a carga negativa. Historicamente, termos como “mendigo” e “vagabundo” foram substituídos por “sem-teto” e agora a nova proposta é “sem moradia”. Essa progressão levanta questões sobre a eficácia dessas mudanças, uma vez que muitos acreditam que tais trocas não alteram a realidade vivida por essas pessoas. Em vez disso, podem criar uma falsa sensação de progresso enquanto o problema persiste.
Para os que já compartilharam experiências pessoais de orfandade, a terminologia é também um reflexo de identidade. Um morador de rua comentou que ele se identifica mais com o termo que descreve sua realidade de vida. Isso levanta a discussão sobre a legitimidade das vozes de quem vivencia essas condições: será que as preferências linguísticas devem ser guiadas por especialistas ou pelas próprias vozes dos indivíduos afetados?
Ainda que as mudanças de terminologia busquem promover a dignidade e a empatia, a crítica de que essas mudanças possam ser apenas palavras vazias sem um respaldo em práticas efetivas permanece. O entendimento do que significa ser “sem moradia” versus “sem-teto” não é apenas uma ligação à falta de abrigo, mas também aos sistemas de apoio que deveriam estar em vigor. Portanto, esses debates não devem ser apenas sobre a linguagem, mas também sobre as estruturas que sustentam a crise habitacional e a resposta da sociedade e do Estado.
Finalmente, enquanto a discussão sobre terminologias continua, é crucial lembrar que, independentemente da linguagem escolhida, a necessidade premente permanece: garantir abrigo e dignidade para todos. A mudança no discurso deve culminar em ações que abordem as raízes da crise habitacional, refletindo uma compreensão mais profunda da complexidade da situação das pessoas afetadas. A disputa sobre termos é, no fundo, um reflexo dos valores e atitudes de uma sociedade que ainda demasiado frequentemente se vê dividida entre a caridade e a justiça.
Fontes: Folha de São Paulo, Washington Post, The Guardian, Al Jazeera, National Public Radio
Resumo
O debate sobre a terminologia para se referir às pessoas em situação de vulnerabilidade habitacional tem ganhado destaque, especialmente entre os termos “sem-teto” e “sem moradia”. Essa mudança reflete uma evolução nas percepções sociais acerca da falta de abrigo, destacando a responsabilidade sistêmica em vez de uma falha individual. O uso do termo “sem moradia” é defendido por ativistas e defensores dos direitos humanos, que acreditam que é menos estigmatizante e mais representativo da condição das pessoas afetadas. No entanto, críticos argumentam que essa nova terminologia pode desviar a atenção das soluções práticas para os problemas enfrentados. A discussão também toca em questões históricas, já que a linguagem evolui em resposta ao estigma. Para muitos, a terminologia não deve ser decidida apenas por especialistas, mas também deve refletir as vozes dos indivíduos afetados. O debate sobre a linguagem deve ser acompanhado de ações concretas que abordem as raízes da crise habitacional, garantindo abrigo e dignidade para todos.
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