23/09/2025, 03:00
Autor: Ricardo Vasconcelos
A vitória de Gustavo Petro na presidência da Colômbia marca um marco significativo na política do país, levantando questões sobre a histórica polarização política e a rara oportunidade de um líder de esquerda assumir o cargo. Por muito tempo, a Colômbia teve um único presidente de esquerda, uma situação que surpreende muitos, considerando que outras nações da América Latina vivenciaram um movimento mais progressista nas últimas décadas. Esta situação se torna ainda mais intrigante quando analisamos a trajetória político-histórica da Colômbia, que remonta ao final do século XIX e abrange uma série de reformas e crises que moldaram sua atual realidade política.
Historicamente, a Colômbia foi governada por uma hegemonia conservadora a partir de 1886, que estabeleceu uma estrutura política dominada pela polarização entre os partidos Conservador e Liberal. A noção de "esquerda" sempre esteve entrelaçada a conceitos de liberalismo, especialmente em sua variante mais social. O Partido Liberal, embora inicialmente tenha servido como contraponto ao conservadorismo, gradualmente cedeu à pressão por mudanças e se tornou mais centrista ao longo das décadas. Essa transição foi marcada por eventos importantes como a constituição de 1991 e a Frente Nacional (1958 a 1974), que perpetuou um sistema de rotatividade de poder entre Liberais e Conservadores, sufocando a emergência de partidos verdadeiramente de esquerda.
O impacto das guerrilhas e dos conflitos internos na política colombiana não podem ser subestimados. Os grupos armados muitas vezes se tornaram o estereótipo da "esquerda", distorcendo a percepção pública sobre a ideologia. A opressão e o assassinato de figuras políticas de esquerda nos anos 80 e 90, particularmente aqueles associados à União Patriótica, que foi sistematicamente perseguida e quase extinta, também contribuíram para a marginalização de movimentos progressistas. Este contexto de violência e repressão resultou em um ambiente onde a esquerda foi vista como sinônimo de terror e violência, dificultando ainda mais a aceitação popular de um governo de esquerda.
Além disso, o legado da presidência de Álvaro Uribe (2002-2010), mesmo sendo associado a uma política de direita, teve papel crucial na transformação da paisagem política. Uribe se posicionou como um renovador e disruptor, oferecendo uma alternativa à dinâmica de dois partidos, o que favoreceu a continuidade de um governo conservador. Sua administração consolidou uma imagem de segurança e estabilidade, algo que muitas vezes é análogo à rejeição da política de esquerda durante aquele período.
Surge, assim, a questão: por que a Colômbia parece ter ficado à margem das tendências progressistas que marcaram outros países latino-americanos? A resposta parece se entrelaçar com a falta de uma infraestrutura de apoio político e uma cultura de eleitorado que aceitasse verdadeiramente a esquerda. Ao contrário do Uruguai, que teve sua onda de esquerda nos anos 2000, a Colômbia carecia de uma coalizão unificada e robusta que pudesse combater a polarização e promover um verdadeiro debate ideológico.
A ascensão de Petro à presidência, com seu histórico de ativismo e políticas públicas voltadas para a justiça social, representa uma nova fase que desafia essa narrativa histórica. Contudo, sua tarefa de governar será complexa. A polarização política ainda é profunda, com um eleitorado dividido entre a lealdade a ideias tradicionais e a posição progressista que representa. A capacidade de Petro de construir pontes e superar rixas próprias do passado determinará o sucesso de seu governo.
Com a atenção do mundo voltada para a Colômbia, a presidência de Gustavo Petro não é apenas uma nova página na história política do país, mas uma oportunidade para repensar e reexaminar a maneira como a política é feita. Há uma expectativa de que sua administração possa não só enfrentar os desafios econômicos e sociais prementes, mas também redefinir o diálogo em torno da esquerda no contexto colombiano. Este momento é crucial para que se inicie um novo ciclo de discussão e possível união, especialmente entre aqueles que sentiram o impacto da marginalização política por gerações. Assim, observadores internacionais e cidadãos colombianos aguardam ansiosamente para ver se a presidência de Petro poderá de fato reverter a trajetória da Colômbia ou se será mais uma iteração no complexo jogo do poder político na região.
Fontes: El Tiempo, BBC News, Folha de São Paulo, The Guardian, Al Jazeera
Detalhes
Gustavo Petro é um político colombiano, ex-prefeito de Bogotá e líder do movimento Colombia Humana. Ele se destacou por suas políticas progressistas e seu ativismo em questões sociais, ambientais e de direitos humanos. Em 2022, foi eleito presidente da Colômbia, tornando-se o primeiro líder de esquerda do país, desafiando a histórica polarização política e buscando implementar reformas voltadas para a justiça social e a inclusão.
Resumo
A vitória de Gustavo Petro na presidência da Colômbia representa um marco significativo na política do país, destacando a histórica polarização política e a raridade de um líder de esquerda assumir o cargo. A Colômbia, que por muito tempo foi dominada por uma hegemonia conservadora, viu a ascensão de Petro como uma oportunidade de mudança, em contraste com a trajetória de outros países latino-americanos que experimentaram movimentos progressistas. A história política da Colômbia é marcada pela polarização entre os partidos Conservador e Liberal, com a esquerda frequentemente associada a guerrilhas e conflitos internos, o que dificultou sua aceitação popular. O legado do ex-presidente Álvaro Uribe também influenciou a dinâmica política, consolidando uma imagem de segurança que favoreceu a continuidade do conservadorismo. A presidência de Petro, com seu foco em justiça social, traz a esperança de um novo ciclo político, mas sua capacidade de unir um eleitorado dividido será crucial para seu sucesso. Observadores internacionais e cidadãos colombianos aguardam para ver se sua administração poderá realmente transformar a política do país.
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