29/12/2025, 00:41
Autor: Laura Mendes

No recente discurso do renomado filósofo e jurista brasileiro Roberto Mangabeira Unger, surgiram polêmicas ao afirmar que "o país mais parecido com os EUA no mundo é o Brasil". Essa provocação levou a um amplo debate sobre a realidade sociopolítica e cultural dos dois países. A intersecção entre história, política e cultura é notória, e tem despertado a atenção de acadêmicos, analistas e da população em geral.
Unger argumenta que tanto o Brasil quanto os EUA compartilham diversas características, como a profunda desigualdade social e econômica, bem como a influência religiosa na política. A sociedade brasileira e a americana, apesar de suas diferenças culturais e históricas, enfrentam o mesmo fenômeno: a ascensão de ideologias políticas que ressoam com a população em situações de crise. A influência do evangelicalismo nos EUA, por exemplo, não é uma novidade. A transposição deste modelo para o Brasil induziu uma nova dinâmica política, que, segundo alguns comentaristas, distorce o conceito de laicidade e molda políticas públicas que refletem uma agenda religiosa.
Um dos pontos mais contundentes levantados na análise desse fenômeno é a questão racial. A segregação e a desigualdade racial no Brasil são frequentemente mais socioeconômicas do que legislativas. Embora formalmente não haja leis que proíbam a convivência entre raças, a realidade do cotidiano mostra que predominantemente a elite socioeconômica é composta por brancos. As estatísticas mostram que 55,5% da população brasileira é negra ou parda, evidenciando um abismo socioeconômico que persiste sob as camadas de uma sociedade que se considera miscigenada. Esse retrato social é dolorosamente semelhante ao que se observa nos EUA, onde a segregação também se dá de maneira informal, refletindo questões que transcendem a simples ausência de legislações discriminatórias.
Historiadores apontam que os trajetos das duas nações foram profundamente influenciados por eventos cruciais. A Guerra Civil Americana, que acabou por levar à abolição da escravidão e à formação de uma nova elite industrial, possui um paralelo irrefutável com o Brasil, cuja elite colonial e latifundiária continua a moldar a política e a economia até hoje. O fato de que o Brasil não vivenciou uma ruptura interna semelhante deixa um legado de desigualdade que ainda pesa sobre sua estrutura social e política, perpetuando um ciclo de exclusão que ainda reflete o passado escravocrata.
Comentários sobre essa temática vão desde a crítica à ascensão de uma extrema direita que perpetua os mesmos discursos retrógrados que são comuns nos EUA, até a afirmação de que o Brasil é um "projeto de país imperialista", aliado a uma história de intervenções em países vizinhos. A ocupação no Haiti e as consequências da Guerra do Paraguai são classificados como exemplos de um comportamento similar ao do "imperialismo" americano, levantando uma narrativa que critica a postura política do Brasil no cenário internacional.
Entretanto, a ideia de que Brasil e EUA são diametralmente opostos também é citada, com algumas análises ressaltando que a atmosfera política contemporânea tem suprimido a capacidade de liderança do Brasil em assuntos de igualdade racial e justiça social. Existe uma crença de que, apesar das semelhanças, o Brasil possui um legado único de pluralidade e resistência que não encontrou paralelo na história americana, onde as questões étnicas e raciais frequentemente se manifestam de formas mais polarizadas e conflituosas.
A polarização política é uma característica indesmentível em ambos os países, exacerbada por campanhas que extraem discursos da extrema direita, e que, segundo muitos, refletem uma onda global de reacionarismo. Em tempos recentes, fenômenos como o nacionalismo exacerbado e as guerras culturais têm sido cruciais para moldar identidades nacionais. Assim, o conceito de um bem-estar social que caracteriza muitos países europeus se torna uma utopia distante em ambas as nações.
Por fim, a afirmação de Unger e o debate que sua posição gerou revelam um aspecto fascinante: gostaria-se que as influências importadas da política americana fossem também acompanhadas de práticas civis mais positivas, como a redução de impostos e a elevação de padrões de vida. A mensagem que subjaz nessa discussão é de que as semelhanças podem ser utilizadas não apenas para refletir sobre o passado, mas também para construir um futuro mais igualitário, um futuro que, paradoxalmente, paira sobre a necessidade de reconhecer e desafiar as desigualdades que ambos os países compartilham.
Essa dinâmica de busca por um futuro socialmente mais justo aponta para a possibilidade de transformação. No entanto, a falta de consciência dessas raízes históricas pode perpetuar ciclos de exclusão se não forem reconhecidas e ressignificadas adequadamente.
Fontes: Folha de São Paulo, O Globo, Estadão
Detalhes
Filósofo, jurista e professor brasileiro, Roberto Mangabeira Unger é conhecido por suas contribuições nas áreas de filosofia política e teoria social. Ele foi um dos principais pensadores do movimento de reforma educacional no Brasil e é associado ao pensamento crítico sobre a modernidade e a desigualdade social. Unger também atuou como ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Resumo
No discurso do filósofo e jurista brasileiro Roberto Mangabeira Unger, ele provocou um debate ao afirmar que "o país mais parecido com os EUA no mundo é o Brasil". Unger destacou semelhanças entre as duas nações, como a desigualdade social e a influência religiosa na política. Ele argumentou que, apesar das diferenças culturais, tanto Brasil quanto EUA enfrentam ideologias políticas que emergem em tempos de crise. A questão racial também foi abordada, com Unger apontando que a desigualdade no Brasil é mais socioeconômica do que legislativa, refletindo a realidade da elite branca em um país onde 55,5% da população é negra ou parda. Historiadores traçam paralelos entre a Guerra Civil Americana e a história do Brasil, onde a elite colonial ainda molda a política. A polarização política e a ascensão da extrema direita são desafios comuns, mas Unger acredita que as semelhanças podem ser uma oportunidade para construir um futuro mais igualitário, desde que as desigualdades históricas sejam reconhecidas e enfrentadas.
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